Longlegs (2024) e o pesadelo da vulnerabilidade infantil
por Carolina Melgarejo
(CONTÉM SPOILERS)
No início dos anos 90, a agente do FBI socialmente desajeitada Lee Harker é encarregada de investigar uma série de casos de aniquilação familiar, em que pais matam suas esposas e filhas antes de cometerem suicídio. Cartas codificadas encontradas nos locais dos crimes vinculam os assassinatos a uma figura que assina como Longlegs, um possível mandante dos crimes.
Logo nas primeiras cenas é sugerido que Harker possui uma espécie de poder psíquico que, misturado com seus trejeitos nervosos, lábios apertados e olhar errante, nos dá uma protagonista de horror que parece estar sempre virada para dentro de si mesma, tentando sustentar o peso do próprio medo.
Em uma cena marcante, ela conhece a filha de 13 anos de seu chefe Carter, que a convida para sua festa de aniversário. Nessa cena, Lee, nitidamente desconfortável, sentada na ponta da cama da menina como se quisesse fugir, faz demonstração de um dos traços infantis mais importantes para o enredo do filme: a naturalidade com que crianças lidam com o que é diferente da norma.
À medida que a trama avança, descobrimos que Harker teve um encontro com Longlegs na infância. Longlegs é uma figura assustadora, com pele, roupas e cabelos brancos, e um rosto deformado por cirurgias. Ele canta, berra e fala coisas desconexas, mas ainda assim consegue atrair a pequena Lee para fora de casa. A menina observa, impassível, enquanto Longlegs a parabeniza pelo aniversário próximo, sendo interrompido apenas pela sua mãe preocupada. O comportamento constrangido de Lee interessa a filha de Carter, assim como a presença teatral e hiperbólica de Longlegs interessa a jovem Lee Harker.
Long legs é, somente, um adorador de Lúcifer - uma ferramenta demoníaca que infunde encantamentos nas famílias para enlouquecê-las e levá-las à morte. Pessoalmente, acho todo o desfile de referências de horror, bonecas e frases em código, artifícios bobos demais para algo que não necessitava de nenhum veículo além da vulnerabilidade própria da infância: nesse universo, o diabo existe e ele dará um jeito de encantar seus filhos. Esse medo tão fundador da religião cristã é a fonte do pavor cortante de Longlegs.
Oz Perkins é um diretor de atmosferas, muito mais que de narrativas, e sua câmera observacional nos coloca num lugar de desamparo sufocante. Um homem massacra sua família com um machado, e nós assistimos o que é possível enxergar por uma porta - a distância entre a audiência e a história é alongada. Estamos expostos e indefesos, sensorialmente infantilizados.
Desesperada para poupar a vida da filha, assistimos à mãe de Harker fazer um acordo com Longlegs e se tornar sua cúmplice, vestindo-se de freira para acessar mais facilmente as famílias. "You were allowed to grow up" ela informa a Lee. Sua morte nas mãos da própria filha, com um tiro na testa, a transforma na imagem de uma santa marcada pelo estigma de Cristo - apesar disso, é notável que há um prazer individual no enlouquecimento e na ruptura com o pacto social.
A experiência da infância, por mais variada que possa ser, é compartilhada pela audiência e nos move pelo filme. Talvez nos pareça assustador uma figura materna que, com a intenção de proteger de alguma maneira seu filho, se embriague pelo prazer de servir ao diabo.
"Longlegs - Vínculo Mortal" já está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil, e conta com distribuição da Diamond Films.
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