Guillermo Del Toro resgata o coração materno do horror em “Frankenstein” (2025)
- Rafaela Germano Martins
- há 1 hora
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Em Frankenstein (2025), Guillermo Del Toro transforma um dos maiores mitos da literatura em uma obra profundamente íntima sobre amor, culpa e criação. Estrelado por Oscar Isaac, Mia Goth e Jacob Elordi, o longa não é apenas uma adaptação de Mary Shelley, é um tributo à mulher que, aos 18 anos, deu à luz o horror moderno a partir da própria dor. Del Toro, conhecido por humanizar os monstros e tornar a fantasia um espelho das emoções mais sombrias, revisita o clássico com um olhar que honra sua origem feminina. É um filme sobre a potência e a maldição de criar, um tema que Shelley conhecia melhor do que ninguém.

Visualmente arrebatador, o filme combina o romantismo trágico com a estética melancólica característica do diretor. Oscar Isaac entrega um Victor Frankenstein dilacerado entre o amor e o remorso, um homem que, ao desafiar a morte, acaba reproduzindo as mesmas feridas de abandono que marcaram sua própria vida. Jacob Elordi, como a Criatura, é uma presença hipnótica, um corpo feito de solidão, que encarna o “indizível”, o monstro como metáfora do que a linguagem não consegue nomear.
Mas é Mia Goth quem sustenta o eixo simbólico mais potente da narrativa. A atriz interpreta dois papéis centrais: Elizabeth, o grande amor de Victor Frankenstein, e Claire, a mãe falecida do cientista. Essa sobreposição de personagens confere ao filme uma camada simbólica arrebatadora, unindo o amor romântico e o amor materno em uma única figura. Del Toro transforma Goth na síntese do feminino que Shelley sempre explorou: a mulher como criadora e como perda, como fonte de vida e fantasma que assombra o criador.

A escolha de duplicar Goth reflete uma leitura profundamente psicanalítica e feminista do texto original. Elizabeth e Claire tornam-se espelhos uma da outra: o desejo e o luto, o amor e o vazio, como se a própria figura materna estivesse condenada a renascer em cada gesto de criação. Del Toro faz de Victor uma espécie de “mãe trágica”, um criador que teme e rejeita sua própria obra.
A biografia de Mary Shelley ressoa em cada quadro. O filme reconhece que o terror nasceu do corpo e da dor de uma mulher. Shelley, filha da filósofa feminista Mary Wollstonecraft, que lutou pela educação das mulheres e morreu após o parto da própria filha, cresceu órfã, cercada de fantasmas. Ainda adolescente, perdeu seu primeiro bebê e registrou o sonho de trazê-lo de volta à vida. “Sonhei que minha pequena bebê voltou à vida de novo... e ela viveu. Eu acordo e não encontro nenhum bebê”, escreveu. Esse sonho se tornou ficção, e a ficção se tornou um espelho do trauma: a vida criada que retorna como horror.

Em “Frankenstein” (2025), Del Toro faz ecoar essa dor primordial. Cada relâmpago, cada costura e cada respiração da Criatura parecem pulsar com o peso de uma maternidade impossível: a criação sem amparo, o amor que nasce culpado. Victor Frankenstein é também uma mãe, consumida pela culpa de não amar o suficiente, pela incapacidade de corresponder ao ideal de perfeição que a sociedade exige.
Assim como Shelley escreveu o horror para dar voz ao indizível, Del Toro o filma para torná-lo visível. O monstro, aqui, é metáfora de todas as vidas rejeitadas, mulheres silenciadas, mães esquecidas e criações que se voltam contra seus criadores. O resultado é um filme profundamente melancólico, mas também libertador: ao devolver o horror às suas origens femininas, Del Toro transforma o mito da criação em um ato de reconciliação entre o amor e o medo. No fim, seu Frankenstein não é somente sobre um homem que brinca de Deus, mas sobre uma mulher que ousou desafiar o destino. É um lembrete de que o horror começou com uma jovem escrevendo à luz de velas, tentando compreender a dor de gerar a vida.

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