As Mulheres que moldaram o Gênero do Terror (Parte 3): Lar
Shirley Jackson e o terror doméstico
Esse texto é uma tradução livre do texto: Home, terceiro texto da série The Women Who Shaped the Horror Genre, que faz parte de uma série de quatro textos escritos por Sady Doyle ( @sadydoyle ) para o The Fearsome is Female, postado no dia 14 de junho de 2017.
Todo sábado um texto da série será postado aqui no Mulheres no Horror. Fiquem ligados!
A Era de Ouro Americana foi alimentada pela loucura feminina.
Os sintomas desta doença eram bizarros — às vezes sutis, às vezes teatrais — mas impossíveis de não perceber. Algumas mulheres escapavam de suas casas e vagavam pelas ruas por horas. Elas não podiam ficar dentro de casa. Outras nunca saíram de casa; elas dormiam 10 horas por dia e reclamavam que estavam esgotadas quando acordavam. Mulheres atrás de mulheres apareciam no consultório médico com bolhas sangrentas cobrindo seus braços. O primeiro pensamento era invariavelmente que algo estava errado com os seus sabões ou seus detergentes para lavar louça, mas mudar os sabões não fez nada para impedir o sangramento, e as medicações não conseguiram curá-las.
As coisas ficaram violentas. No subúrbio de Chicago, uma mãe de oito decapitou seus dois filhos mais novos e os exibiu no gramado da frente de sua casa. A palavra alcançou a poeta Adrienne Rich, que, ao discutir isso com suas colegas femininas, descobriu que “toda mulher naquela sala, cada poeta, poderia se identificar com ela”. Outra poeta, uma das mais promissoras de sua idade, preparou café da manhã para seus filhos e se intoxicou com o gás, até a morte, no seu próprio forno. Mesmo as mulheres que conseguiram não matar ninguém estavam propensas a enlouquecer e realizar grandes gestos: “Você ficaria surpreso”, disse um médico a uma jornalista “, no número de mulheres suburbanas felizes que simplesmente ficam loucas uma noite e correm gritando pela rua sem roupa nenhuma “.
A jornalista era Betty Friedan, uma escritora de uma revista feminina que se convencera de que era paga para vender veneno. Seus artigos foram meticulosamente limpos de qualquer referência ao mundo exterior — suas leitoras, um editor masculino disse a ela, “não estão interessadas nos grandes problemas públicos do dia. Elas não estão interessadas em assuntos nacionais ou internacionais. Elas não estão interessadas na política, a menos que esteja relacionada com uma necessidade imediata em casa, como o preço do café “- para vender às mulheres um estilo de vida doméstico perfeitamente contido, uma visão de mundo que se estendia até o gramado em frente à sua casa. A dona de casa americana branca, de classe média, de acordo com essas revistas, era uma rainha, reinando sobre seus filhos adoráveis e aparelhos de última geração. As mulheres menos privilegiadas se esforçavam para alcançar aquele estilo de vida; Aquelas com a sorte de alcançá-lo incorporaram o ideal feminino.
Enquanto isso, donas de casa reais estavam cortando a cabeça de seus filhos e exibindo-os no gramado em frente de casa para provar um ponto. Ou sua pele estava caindo. Ou elas não podiam sair da cama, ou elas estavam chapadas ou bêbadas todos os dias, ou foram pegas tirando suas roupas e gritando enquanto atravessavam seus gramados suburbanos bem aparados às três da manhã. Estas eram as mulheres mais privilegiadas do mundo, vivendo o estilo de vida mais desejável do dia, e isso as estava deixando loucas.
“Quando”, Friedan se perguntou em A Mística Feminina, seu livro sobre esse fenômeno, “as mulheres decidiram desistir do mundo e voltar para casa?”
Mas, era mais preciso dizer que a casa as escolheu, não que essas mulheres escolheram ir para casa. A casa sugou os seus interiores e as aprisionaram lá. Ela drenou a sanidade delas, até que elas acabaram surtando. Uma casa, como uma coisa sensitiva, aprisionando a mulher que vivia dentro dela. E não a deixaria partir.
Shirley Jackson publicou três romances nos últimos sete anos de sua vida, e todos eles tinham o mesmo enredo: uma mulher que vive dentro de uma casa grande e luxuosa e que se encontra incapaz de deixá-la. O último romance desta trilogia, Sempre Vivemos No Castelo, é o livro mais aclamado pela crítica e provavelmente o melhor deles; o penúltimo, A Assombração da Casa da Colina, é o seu mais popular e assustador. O primeiro, The Sundial, de 1958, passou um pouco despercebido — se compararmos — mas, é dito que era o favorito pessoal de Jackson.
The Sundial também é extraordinariamente limpo, e compreensivamente, apenas um esboço das ansiedades que Jackson colocaria em seus livros posteriores.
Na primeira de suas três grandes descrições de casas, Jackson escreveu:
O terreno dos Halloran se distinguia do resto do mundo por um muro de pedra, que cercava completamente a propriedade, de modo que tudo que estava dentro da parede era os Halloran, tudo que estava fora não. O primeiro Sr. Halloran, pai de Richard e de Tia Fanny — Frances Halloran, ela era então — era um homem que, no espanto de encontrar-se de repente extremamente rico, não podia pensar em nada melhor para fazer com seu dinheiro do que criar seu próprio mundo.
É assim que as casas funcionam para Jackson — são mundos autônomos, quase organismos vivos. Suas paredes e cercas são como uma pele, marcando o ponto em que uma subjetividade fervorosamente protegida se depara com um universo indiferente. Tudo dentro da parede é a Família, tudo fora da parede não, e o reconhecimento de que esta pele pode ser permeável — objetos estranhos e pessoas podem penetrá-la; podendo causar uma infecção- é a fonte de grande parte do medo que faz borbulhar seu trabalho. Às vezes, os enredos de Jackson podem assemelhar-se ao funcionamento de um sistema imunológico; como a casa funciona, aparentemente, por vontade própria, ela expulsa aqueles que não a pertencem e aprisiona aqueles que a pertencem.
A casa assombrada — ou o “Lugar Ruim”, como Stephen King apelidou em Dança Macabra; o seu próprio Lugar Ruim não era uma casa, mas um hotel — existia muito tempo antes de Shirley Jackson. A ficção gótica, de O Castelo de Otranto à Colina Escarlate, está recheada de antigas propriedades agourentas e mansões decrépitas, cada uma construída com o seu próprio segredo terrível. O Castelo do Drácula; O Morro dos Ventos Uivantes; A Casa dos Usher; Manderley, como na noite passada sonhei que fui à_______________ de novo. O segredo da casa pode ser sobrenatural (como a pobre Cathy, batendo nas janelas do Morro dos Ventos Uivantes) ou simplesmente vergonhoso (como a esposa louca de Rochester, a fonte muito humana de todas as aparições fantasmagóricas em Thornfield Hall). Em ambos os casos, a casa representa a história. Uma casa, nestes livros, é algo passado por gerações; é onde a história de uma família se desenrolou e onde os pecados da família foram cometidos. Os erros cometidos no passado ainda ressoam ali. Eles moldam o presente. Eles o alcançam, no meio da noite, para agarrá-lo com mãos frias.
Não é coincidência que as mulheres tenham projetado tantas casas horríveis da literatura. Durante séculos, as mulheres foram relegadas à esfera privada, foi dito que deveriam se concentrar na casa, na família, em se casar e fazer filhos. Isso era para impedir que elas se realizassem em outras áreas da vida, como (por exemplo) as artes. Na prática, deu-lhes um novo conjunto de preocupações artísticas. O Romance Gótico — com ênfase na violência familiar e no perigo doméstico — sempre foi predominantemente feminino, tanto em termos de escritores (Charlotte Bronte, Emily Bronte, Ann Radcliffe, Mary Shelley) quanto em público. Por volta de 1803, o gosto das meninas adolescentes pelo horror gótico era tão conhecido, que Jane Austen escreveu um livro inteiro satirizando; uma das razões pelas quais haviam tantas superstições em torno dos hábitos de leitura das meninas vitorianas era provavelmente o fato de que, quando você deixava sua filha ter o comando da biblioteca, ela sempre ia direto para o material sangrento. De certa forma, o terror doméstico de Jackson era apenas para continuar a linhagem gótica.
No entanto, as histórias da casa de Jackson são distintas de seus predecessores do século XIX, da mesma forma que a experiência de uma jovem esposa entrando na propriedade familiar de 200 anos de seu marido em 1815 não era a experiência de uma esposa suburbana desperdiçando sua vida em uma recém-construída casa própria em 1955. As casas suburbanas eram mais novas e menores; elas sofreram, não com muita história, mas com muita pouca. Elas incorporaram um novo conjunto de medos.
Em Dança Macabra, King exemplifica o nosso medo do “Lugar Ruim” como a violação da privacidade:
Sua casa é o lugar onde você deve desabotoar sua armadura e guardar o seu escudo. Nossas casas são os lugares onde nos permitimos ser nós mesmos em uma vulnerabilidade máxima: elas são os lugares onde tiramos nossas roupas e dormimos sem nenhum guarda para nos vigiar.
O terror de uma casa assombrada, diz King, é que “quando vamos para casa e trancamos a porta, gostamos de pensar que estamos bloqueando os problemas. A boa história de terror sobre o Lugar Ruim sussurra que não estamos trancando o mundo; estamos nos trancando … com eles “.
Mas, King — não podendo colocar em termos melhores — é um homem, com a expectativa que um homem tem da tranquilidade doméstica. As mulheres nunca estiveram inteiramente seguras em suas próprias casas ou com suas próprias famílias. Aliás, as mulheres sabem bem disso; é por isso que passamos os últimos 200 anos comprando romances sobre segredos de família vergonhosos e maridos não confiáveis e, possivelmente, assassinos.
O problema é que ser trancada (com eles ou sem eles) pode ser a melhor opção disponível. A dona de casa em tempo integral de Jackson foi informada não só que ela tinha que ficar em casa, mas que também tem a sorte de estar lá. Adlai Stevenson, em um discurso de abertura no Smith College, exaltava o “papel humilde da dona de casa”, dizendo a um quarto de graduados da faculdade que seu desemprego pendente era uma benção: “Se compararmos com a África, Islã ou Ásia, as mulheres “nunca estiveram tão bem” como vocês… Eu não poderia desejar-lhes uma melhor vocação “. Menos mulheres economicamente desprivilegiadas — ou seja, a maioria das mulheres — sentiram muita vergonha em não conseguir o estilo de vida da dona de casa integral.
Mais uma vez, The Sundial é notavelmente literal aqui. Não só as mulheres de Halloran estão brigando pela casa para sempre, como possivelmente matando umas às outras por ela. A Sra. Orianna Halloran, uma implacável interesseira, muito ressentida pela solteira tia Fanny, é suspeita de ter empurrado seu próprio filho pelas escadas para que sua nora Maryjane herde a propriedade — ficar em casa logo se torna uma questão de vida ou morte. Estando fora de casa por uma manhã, e Fanny encontra-se perdida em uma sinuosa e irreconhecível parte alternativa do terreno, sendo assombrada pela voz de seu pai morto, que prediz o fim do mundo:
Do céu, ao chão, ao mar, há perigo; diga ao pessoal da casa. Haverá fogo negro e água vermelha e a terra girará e gritará … as crianças estarão seguras; o pai virá a seus filhos que serão salvos. Não deixe que eles deixem a casa; diga a eles; não temas, o pai guardará as crianças. Entre na casa de seu pai e diga essas coisas. Diga-lhes que existe perigo.
Jackson não testa a nossa credulidade; o primeiro pensamento de Fanny é o mesmo que o nosso: que ela perdeu a cabeça. Ainda assim, no final do encontro, ela acredita firmemente que apenas as pessoas dentro da Casa Halloran sobreviverão ao apocalipse iminente. E depois de cerca de 30 segundos de questionamentos não muito intensivos, também todos os outros Hallorans acreditam nisso. Por ser um “mundo privado” metafórico, a casa se torna o mundo inteiro. Perguntas que foram uma vez fontes de conflito familiar — quem é o filho do meu pai e quem, não é? Quem pertence a essa família e quem não? Quem eu tenho a obrigação de cuidar e quem posso me afastar? — obtém importância cósmica, à medida que a família se esforça para decidir quem estará em segurança no dia do julgamento. Não demora muito e mais Hallorans morrem em circunstâncias misteriosas.
No gótico de Jackson, o terror vem de duas vias: não importa o quão horrível seja dentro de casa, o que espera lá fora pode ser pior. A casa terrível não representa a história, mas a identidade — e a ameaça central não é perda de segurança, mas perda de propriedade e controle.
Para as donas de casa que Friedan entrevistou, a casa era, se não a soma total de sua autoestima, um pedaço significativo. Ela aparece muito, tipicamente, em suas listas de razões pelas quais elas não devem ser infelizes: “Eu amo as crianças, Bob e a minha casa”, diz uma mulher. “Eu tenho saúde, bons filhos, e, uma linda casa nova”, diz outra. A casa é como as crianças, ou Bob — um personagem por si só.
Em seguida, há a dona de casa do Texas, que teve seu perfil traçado pelo Ladies ‘Home Journal em 1960, que já está maquiada e com suas tarefas concluídas às 8:30 da manhã. Friedan cita o artigo por completo, até o desagradável e pequeno twist Jacksoniano no final:
“Eu adoro a minha casa”, ela diz … a cor cinza claro na parede da sala e a sala de jantar de cinco anos, em forma de L, mas que ainda está em perfeito estado … A cor de pêssego amarelo claro, e damasco azul aqua do estofamento, que ainda parece impecável após oito anos de desgaste … Sua posse favorita é a sua cama de casal com um dossel de tafetá rosa. “Eu me sinto exatamente como a Rainha Elizabeth dormindo naquela cama”, ela diz com alegria. (Seu marido dorme em outro quarto, já que ele ronca).
A Sra. Texas se encontra entre os abençoados. Seu único problema, de acordo consigo mesma, é o de estar sendo excessivamente feliz: “Às vezes, eu sinto que sou muito passiva, muito contente”. Ainda assim, a sua descrição de suas próprias bênçãos é de massacrar almas: “ Eu sou tão agradecida à Deus pela minha fé e boa saúde e aos meus bens materiais, como: dois carros, duas TVs e duas lareiras. “Duas camas, também, mas isso não importa.
Friedan chamou isso de “venda sexual”: a crença de que (soube disso através de um executivo de publicidade que ela entrevistou para o livro) “manipulando corretamente … as donas de casa americanas podem ter o seu senso de identidade, propósito, criatividade, autoestima, e até o prazer sexual que lhes faltam — pela compra de produtos. “ Jackson, em suas memórias sobre a maternidade, intitulado Raising Demons, descreveu tudo isso na tendência das donas de casa a pensar em listas:
Diga à minha vizinha do lado que você admira o seu novo linóleo de cozinha e ela irá lhe dizer: “Você realmente gostou? Eu queria que ele fosse branco em vez de azul, mas, suja tão rápido e, claro, John sempre gostou mais de azul, mas é claro que o conjunto de vasos e a mesa da cozinha deveriam ser mais claras, e isso significaria substituí-las, mas as cortinas … “A partir daí ela pode listar uma série de outras alternativas … ela pode fazer uma lista de cores que ficam sujas (“ … um linóleo preto, e você sabe que ele mostrará qualquer sinal de sujeira … “) ou cores que não sujam (“… e mesmo sendo um amarelo claro, parecia que tinha acabado de limpar…”) ou ela pode se interessar por utensílios de cozinha (“… e ela tinha umas cortinas bonitas, mas eram estranhas, eu pensei, para uma cozinha, elas eram … “) ou acessórios de banheiro (“ … e eles tinham os mesmos azulejos no banheiro, apenas estes eram rosa, e as cortinas lá … “) ou mesmo os gostos e desgostos de John (“ … mas, claro que ele não vai comer nada com alho, então eu tenho que pegar todas as receitas que tenho e colocar … “).
Note-se que, mais uma vez, John é o tema menos provável de aparecer durante a conversa. É tentador julgar essas mulheres, até que consideremos as nossas próprias horas perdidas evitando a depressão ou o tédio, lendo a tag “Just One Thing” na Racked ou passeando pelos corredores eletrônicos da Glossier, tentando descobrir quais cinco ou sete ou 12 produtos são necessários para completar a rotina minimalista de cuidados com a pele. A busca pela refeição perfeitamente Instagramável ou, no suco verde misturado com Brain Dust, a cuidadosa deliberação sobre os respectivos méritos do KonMari vs. as colchas Escandinavas, as casas luxuriantes de Kinfolk e a domesticidade pastel higienizada da Ivanka Trump, provam que nunca escapamos da venda sexual. As mulheres ainda são encorajadas a redirecionar, completamente, a sua energia mental em seus próprios corpos e estilos de vida, aperfeiçoando-se, em vez de melhorar o mundo.
Mas no ponto de vista de Jackson, as mulheres não eram apenas associadas a casas ou presas em casas; as mulheres eram praticamente suas casas. Um desenho de 1935 do James Thurber mostra um pequeno e insignificante empresário que tenta de fininho entrar em casa, que olha para ele com um enorme rosto franzido e feminino.
Nenhum olho humano pode separar a infeliz coincidência do senso comum que sugere que um mal reveste uma casa “, Shirley Jackson escreveu:
E então, de alguma forma, uma maníaca composição, um ângulo mal virado, algum encontro casual do telhado com o céu, transformou a Casa da Colina em um lugar de desespero, mais assustador porque a frente da Casa da Colina parecia acordada, com um ar de vigilância nas janelas brancas e um toque de satisfação na beirada da cornija … Esta casa, que parecia ter se formado, voando em seu próprio padrão poderoso sob as mãos de seus construtores, instalando-se em sua própria construção de linhas e ângulos, criou-se grandemente voltando-se para o céu, sem concessão à humanidade.
Assim, chegamos a Casa da Colina, a maior e mais temível das criações de Jackson. Numa época em que os relacionamentos mais apaixonados das mulheres estavam com as propriedades, Jackson escreveu sobre uma propriedade que se relacionava de volta.
Nós nunca descobrimos quem está assombrando a Casa da Colina. A casa viu muitas tragédias, todas femininas: uma esposa que morreu no caminho para entrada, antes de entrar em sua nova casa pela primeira vez; duas irmãs que acabaram com a harmonia do lar por uma discussão sobre a propriedade; um “pequeno companheiro”, um servo na longa guerra das irmãs, que se enforcou na biblioteca. (A primeira manifestação de uma assombração é um detalhe digno da Sra. Texas: o companheiro jura que uma das irmãs está entrando na casa durante a noite, tentando encontrar seu amado conjunto de pratos dourados). Mas não há nenhuma menção à um fantasma ou fantasmas; nenhum pequeno companheiro é visto vagando pelos salões com uma corda amarrada em seu pescoço. O que assombra a Casa da Colina é a Casa da Colina; o lugar tem uma mente e uma malevolência própria.
A Casa da Colina também escolhe uma esposa — ou, pelo menos, uma amante. É Eleanor, nossa heroína, uma mulher definida pelos “os onze anos que ela passou cuidando de sua mãe inválida, o que a deixou com alguma habilidade como enfermeira e uma incapacidade de encarar a forte luz solar, sem piscar.” Eleanor é uma mulher cujo o seu potencial humano foi arruinado pela domesticidade. Ela nunca viveu sua própria vida ou realizou os seus próprios desejos. Como é demonstrada pela sua não-articulada paixonite pelos seus companheiros de casa, Luke e Theodora, ela nem sequer sabe que tem desejos. As fantasias mais desenvolvidas de Eleanor dizem respeito a coisas, não às pessoas: uma “xícara de estrelas” pintada à mão que ela ouve sendo mencionada em um restaurante ou um “pequeno apartamento” onde ela pode escolher todos os móveis. Cuidar dos outros e cuidar da casa é tudo o que ela sabe fazer: “colocando pequenas bandejas de sopa e aveia, trancando-se na lavanderia imunda, Eleanor se manteve firme na crença de que algo aconteceria”.
A Casa da Colina reivindica Eleanor imediatamente, repetindo a mesma mensagem repetidamente em letras de giz e (eventualmente) sangue: AJUDE ELEANOR VENHA PARA CASA. (Uma mensagem, a propósito, que fica mais inquietante quanto mais você olha para ela — são duas frases ou uma? Estão pedindo ajuda à Eleanor ou alguém deveria ajudá-la? Talvez você tenha escrito isso para você mesma “ Theodora diz a Eleanor. Ela está errada?) Eleanor — que é assombrada ao longo do livro pelo término abrupto do encontro apaixonado dos amantes- congratula-se com a atenção. Quando Theodora a acusa de escrever seu próprio nome nas paredes, o primeiro pensamento de Eleanor não é que Theodora esteja assustada, mas que ela esteja com ciúmes.
Mas Theodora, uma artista sexualmente ambígua, morando com um parceiro e uma vida rica em Manhattan, é muito independente para a Casa da Colina. Ela pode assustá-la, mas não pode machucá-la. Os outros hóspedes são do sexo masculino; então a Casa da Colina os ignora. Somente Eleanor é consumida e possuída; a casa com sua própria identidade e a mulher sem identidade fora do trabalho doméstico são um ajuste perfeito. Elas se tornam inseparáveis: “A Casa da Colina”, somos avisados ”, tem uma reputação de hospitalidade insistente. Aparentemente não gosta de deixar seus convidados fugirem “.
A Assombração da Casa da Colina é uma das duas ou três histórias de fantasmas mais assustadoras já escritas. No entanto, também é uma paródia cruel da venda sexual de Friedan e da incipiente loucura entre as mulheres cujos únicos relacionamentos amorosos foram com o novo linóleo de cozinha azul e o estofamento de damasco aquático. É a história de uma mulher cuja vida interpessoal é tão sem amor e vazia que ela forma um relacionamento amoroso com uma casa. A Casa da Colina é horrível. É um lugar que leva as pessoas a enlouquecer; um lugar que você deve fugir gritando. No entanto, para Eleanor, pertencer a Casa da Colina é melhor do que não pertencer a lugar nenhum. A publicidade na década de 1950 incentivavam os anunciantes a fornecer “uma defesa psicológica da dona de casa contra a ser uma simples ‘limpadora e arrumadora’ e servidora da família”, enfatizando “as recompensas físicas e espirituais que ela terá do sentimento quase religioso da segurança básica fornecida pela sua casa. “As empresas foram encorajadas a enquadrar o trabalho doméstico como uma forma de arte para dar às mulheres a ilusão de escolha:” Tese: eu sou dona de casa. Antítese: eu odeio o trabalho árduo. Síntese: sou criativa! “Eleanor, presa em uma casa que comeu sua identidade e sanidade, pode convencer-se de que ela tem sorte, que nenhuma mulher já teve algo tão bom, que ela está fazendo exatamente o que ela quer. Ela pode se convencer, isto é, até perceber o que significa ficar na Casa da Colina para sempre:
“Eles não podem me excitar ou me trancar ou rir de mim ou me esconder” [Eleanor disse. ] “Eu não vou, e a Casa da Colina pertence a mim”.
Com o que ela percebeu rapidamente, ela pressionou o pé com força no acelerador …. Eu realmente estou fazendo isso, ela pensou, virando o volante para direcionar o carro diretamente para a grande árvore na curva da entrada: eu realmente estou fazendo isso, estou fazendo isso sozinha, agora, finalmente; esta sou eu, eu realmente, realmente estou fazendo isso sozinha.
Em um momento interminável, antes do carro ser lançado na árvore, ela pensou claramente. Por que estou fazendo isso? Por que estou fazendo isto? Por que eles não me param?
Shirley Jackson ganhou um artigo em A Mística Feminina e é mordaz. Friedan usa os ensaios que Jackson vendeu para revistas femininas — fragmentos de um humor de blog para mães novatas que eventualmente se tornaram Life Among the Savages and Raising Demons — para classificá-la como uma “escritora de donas de casa”, uma fraude que dissimulava seu próprio sucesso profissional para vender o estilo de vida “fiquem em casa” como algo divertido. No entanto, a vida de Jackson era mais limitada e continha mais da autêntica servidão doméstica do que qualquer um, inclusive Friedan, poderia adivinhar.
Jackson nasceu rica. Suas paródias do estilo de vida da classe média alta, como The Sundial, são extraídas da sua vida. Ela se rebelou casando com Stanley Hyman, um membro do partido comunista. Ele ampliou seus horizontes e exortou-a a abraçar o princípio progressista do amor livre — o que, na prática, significava que Stanley ia foder com todo mundo em volta dela, e Jackson seria taxada de burguesa se reclamasse. (Ela tentou seguir esse exemplo uma vez, com Dylan Thomas, não funcionou). Hyman tinha políticas de gênero distintas do meio século: ele acreditava que a prática sexual era necessária para a libertação das mulheres, mas ele também acreditava que não existia algo como o estupro. Até porque a luta contra o homem excitava: “a excitação [das mulheres] eventualmente as tornavam receptivas”. Jackson insinuou que Hyman testou essas crenças com ela pelo menos uma vez.
Ao envelhecer, Hyman deixou de lado o comunismo, mas manteve a infidelidade. Ele também notou que sua esposa estava escrevendo bestsellers, enquanto ele estava remendando uma carreira desigual como professor, fazendo obscuros tratados acadêmicos e revisões de livros. Para preservar sua masculinidade, Hyman assumiu as finanças da família — o que, uma vez que Shirley era as finanças da família, significava que ele assumiu a renda de Shirley, pressionando-a para fornecer mais e mais conteúdo às revistas. Ela ainda deveria fazer todas as tarefas da casa; a masculinidade de Stanley exigia isso também. Era apenas um detalhe que uma de suas tarefas era financiar o seu marido. No fim da vida, Jackson manteve um diário. Tinha de ser mantido em segredo, porque “eu sinto que estou traindo Stanley ao não escrever histórias por dinheiro”.
Jackson fantasiava viver sozinha, mas ela era fisicamente incapaz disso. Ela desenvolveu agorafobia que a incapacitou à medida que seu casamento foi se desintegrando. Tinha dias, que ela não conseguia deixar seu o próprio quarto. Mesmo quando ela conseguia ir ao ar livre — para a caixinha de correios, por exemplo, ela tinha medo, ou para se encontrar com editores — ela precisava de Stanley para acompanhá-la como uma presença firme. Era uma maneira de uma dona de casa impedir o impensável: “ Ela não podia sair de casa”, observa a biógrafa Ruth Franklin, “ela não podia deixar Stanley”. Quanto mais Jackson ansiou pela independência, mais dependente ela se tornou.
Claro, existem maneiras de se livrar de seu marido sem sair de casa. Você só precisa aceitar soluções pouco ortodoxas. Sempre Vivemos no Castelo, por exemplo, gira em torno de Merricat Blackwood, sua irmã mais velha Constance e seu tio senil Julian. “Todos os outros na minha família”, nota Merricat com uma alegria alarmante, “estão mortos”.
Uma noite, depois de Merricat com 12 anos de idade, ser mandada para a cama sem jantar, alguém colocara arsênico na açucareira. A polícia nunca encontrou o assassino. Julian, que comeu muito da sobremesa, foi hospitalizado; Constance, que cozinhou, saiu ilesa. Merricat, é claro, não podia comer naquela noite. Não era um mistério difícil — sabemos que algo está seriamente errado com Merricat já na página três, quando ela fantasia sobre todos em uma mercearia “chorando de dor e morrendo” — mas resolver o mistério não é o ponto. Merricat é uma assassina de sangue frio, mas também é a personagem mais simpática do livro.
O “castelo” do título foi escolhido com atenção: as irmãs Blackwood se vêem inegavelmente como uma aristocracia da cidade pequena. Os habitantes da classe trabalhadora as detestam, primeiramente porque suspeitam que as irmãs cometeram assassinato, mas principalmente porque são ricas o suficiente para se safar. Quando a agorafobia de Jackson estava em seu pior estado, sua fobia mais intensa dizia respeito aos correios; ela acreditava que o carteiro a desprezava e por isso não podia encará-lo. As viagens de Merricat ao mundo exterior são angustiantes descrições do que é sentir que é odiado:
Eu poderia perceber pelo carro alugado e pelo rápido e feio olhar do motorista e eu me perguntava, sempre, o que aconteceria se eu descesse no meio-fio para a estrada; haveria um desvio rápido, quase não intencional em minha direção? Apenas para me assustar, talvez, apenas para me ver pular? E então a risada, vinda de todos os lados, atrás das persianas nos correios, dos homens na frente da mercearia, das mulheres que olhavam para fora da entrada da mercearia, todas observando e regozijando-se, para ver Mary Katherine Blackwood fugindo do caminho de um carro.
A casa dos Blackwood, ao contrário, era uma rica e segura, fortaleza feminina. “Lidamos sempre com os pequenos objetos transitórios na superfície, os livros, as flores e as colheres, mas por baixo nós sempre tivemos uma sólida base de bens estáveis … Nós despejamos e varremos para debaixo de mesas e cadeiras e camas e fotos, mas nós os deixamos onde eles estão; o conjunto de toalhas de casco de tartaruga da nossa mãe nunca ficou um instante sequer fora do lugar. “A venda sexual está em pleno vapor; a história da casa pode ser avaliada pelas compras femininas. “Assim que uma nova esposa Blackwood mudava-se, um lugar era encontrado para seus pertences, e nossa casa foi construída com camadas de propriedades dos Blackwood, e mantendo-se firme contra o mundo”.
No entanto, mesmo a casa dos Blackwood tem que ser limpa dos Blackwoods indesejáveis. Sua pele é permeável, frágil. Seu equilíbrio logo é ameaçado pela presença de um forasteiro: “Primo Charles”, um parente desconhecido e distante que chega com segundas intenções para cima de Constance e um gosto por coisas finas.
Constance, como Eleanor, é uma mulher que foi devorada viva pela domesticidade. Ela é uma visão distorcida da mulher perfeita de sua era — bela e loira e interessada em absolutamente nada além de fazer tarefas domésticas. Constance não sai da casa exceto para cuidar da sua horta. A maior parte do seu tempo na casa é gasto na cozinha. Ela fala e pensa quase inteiramente em termos de refeições. (“Nós teremos bolinhos”, disse Constance, quase cantando porque estava ordenando e arrumando a comida: “Tio Julian terá um ovo, preparado com gema mole e suave, e amanteigada … Merricat terá uma carne magra e rica em sal”.) O único livro que ela lê é The Joy of Cooking. Merricat aprisionar Constance em sua cozinha é incrivelmente cruel — as pessoas se encolhem sempre que Constance lhes oferece uma refeição, o que é praticamente a única coisa que Constance sempre faz , mas Constance não se importa. Constance é tão moderada que não se importa com nada, incluindo o primo Charles.
Charles, Jonathan Lethem escreveu em seu prólogo ao Castelo, “representa o princípio masculino”. Este é o tipo de coisa que os escritores masculinos sempre dizem a si mesmos. O que Charles representa é a arrogância masculina, o poder masculino e o controle masculino — o poder e o controle muito masculino que tornaram as donas de casa necessárias em primeiro lugar.
Mais especificamente, Charles representa Stanley Hyman. O seu suposto “romance” com Constance é evidente; na verdade, ele passa a maior parte do tempo invadindo as coisas dos Blackwood e perguntando sobre a localização do cofre onde eles mantêm sua herança. Quando Merricat quebra um relógio, Charles reclama que ele queria isso; quando ela suja roupas velhas, ele reclama que poderia ter usado essas roupas. No confronto climático do livro, Charles descobre que Merricat enterrou algumas moedas de prata no quintal:
“Deve haver vinte ou trinta dólares aqui; isso é ultrajante.”
“Ela gosta de enterrar coisas”.
Charles ainda estava gritando, sacudindo minha caixa de moedas de prata de um lado para o outro violentamente. Eu me perguntava se ele iria deixá-la cair; gostaria de ver Charles caído no chão, arranhando-o próximo as minhas moedas de prata.
“Não é seu dinheiro”, ele estava gritando, “ela não tem o direito de escondê-lo”.
Perguntei-me como ele havia encontrado a caixa onde eu tinha enterrado; talvez Charles e o dinheiro se encontrassem, independentemente de quão distantes estivessem, ou talvez Charles estivesse empenhado em escavar sistematicamente cada centímetro da nossa terra. “Isso é terrível”, ele estava gritando, “terrível”. Ela não tem o direito “.
Lembre-se do diário de Jackson, escondido até que Stanley descobriu uma parte da escrita de sua esposa que ele não poderia usar para o seu próprio lucro.
Merricat é uma criança feroz e cruel que distorceu Constance até ela se tornar sua serva e ser sua, perpetuamente e excessivamente indulgente, mãe, mas isso também faz de Merricat o único membro da família forte o suficiente para enfrentar Charles. “Me dê um mês, e eu me pergunto quem estará aqui?” Ele a ameaça, em um momento. “Você … ou eu?” A aposta segura, como Charles não é suficientemente brilhante para perceber, está sempre na garota que uma vez matou quatro pessoas porque eles tentaram colocá-la pra fora.
Mas as mulheres são suas casas, e a única defesa de Merricat contra Charles é tornar a Mansão Blackwood uma ameaça contra ele. Ela tem a ideia quando percebe que uma faísca de seu cachimbo sempre deixa uma pequena queimadura no sofá:
Eliminar Charles de tudo o que ele tocou foi quase impossível, mas pareceu-me que, se eu alterasse a sala do nosso pai, e talvez mais tarde a cozinha, a sala de estar e a de estudo, e até mesmo o jardim, Charles ficaria perdido, excluído de tudo o que ele reconhecia, e então teria que admitir que esta não era a sua casa que ele estava apenas de visita e assim ir embora.
Merricat quebra os espelhos, ela esconde os objetos e arruína os quartos. Finalmente, ela bate o cachimbo na lixeira. Não está claro se ela sabe o que acontecerá. Ela quase certamente não percebeu seu erro até muito tarde. O fogo resultante na casa leva Charles para fora dela (junto em segurança com a família, que ele consegue agarrar na conflagração). Mas, para sair eles precisam ligar para o departamento de bombeiros. E o departamento de bombeiros é composto por pessoas da cidade, que — como Merricat sabia esse tempo todo, já que foi obrigada a perceber toda vez que ela atravessava a rua — sempre desejou ver as irmãs Blackwood queimando.
Merricat quando queimou a casa, provavelmente
O círculo social de Jackson foi ficando cada vez menor. Ler os seus romances sobre casas em sequência é como traçar uma espiral interna de uma câmara de Nautilus* (*animal marinho que existe desde o período arcaico). Estamos observando a mesma escritora escrever sobre o mesmo problema, seguindo-a através do mesmo ciclo repetidamente, com cada repetição sendo mais insular e fechada do que a anterior.
No The Sundial, a sobrevivência depende de permanecer dentro da Casa Halloran. No entanto, a família acolhe os convidados: servos, velhos amigos, primos distantes, mesmo um homem que ninguém conhece e a quem foi convidado apenas porque as hóspedes poderiam querer ficar com ele. Como sugere esse último detalhe, o próprio livro é quase uma comédia pura; o apocalipse pode ser imaginário e certamente é tratado como farsa.
Quando chegamos a Casa da Colina a ameaça é muito real, e ninguém está rindo. O livro tem alguns momentos de humor — Theo obtém algumas boas falas- mas é um humor horrível e logo se afoga na maré de escuridão úmida e enrugada. Ainda assim, a “família” reunida é heterogênea: o carinha de confiança Luke, a hipster Theodora, o investigador paranormal Dr. Montague, até alguns convidados adicionais que entram e saem. Estar sozinho é possível, mas nunca é desejável. Os personagens compartilham quartos e caminham em pares ou em grupos. É a solidão que Eleanor está tentando evitar quando bate na árvore.
Mas na virada final da espiral, Sempre Vivemos no Castelo, é uma história de uma mulher que não pode sair de sua casa, e não é descrita como comédia ou terror, mas como um conto de fadas. O livro é uma curta, afiada e estranha parábola; o elenco é reduzido de dezenas de parentes e amigos para duas mulheres, unidas por sangue, fechadas para o mundo. Você pode ler toda a tragédia da Mística Feminina, ou da feminilidade do século XX, em sua cena final das irmãs Blackwood, reduzidas a viver na casca queimada de sua cozinha:
Enquanto Constance assistia a cozinha, encontrei um pesado cartão de papelão que cortei com cuidado e, assim, tive vários grandes pedaços de papelão para cobrir a janela de vidro na porta da cozinha … coloquei papelão na porta da cozinha até que o vidro estivesse completamente coberto e não se pudesse ver. Coloquei mais papelão nas duas janelas da cozinha e a cozinha estava escura, mas segura. “Seria mais seguro deixar as janelas da cozinha ficarem sujas”, falei a Constance, mas ela ficou chocada e disse: “Eu não viveria em uma casa com janelas sujas.
Em seu último trabalho concluído, Jackson pesa os perigos da domesticidade contra os perigos da vida pública e decide que o mundo exterior é pior. Sair de casa não é uma opção. Mesmo manter um relacionamento com outra pessoa pode ser demais. A única coisa que você pode fazer é tentar queimar os invasores e aceitar que seu próprio mundo seja diminuído como resultado. Mas mesmo no final de tudo, presa em um barraco desmoronando com a assassina que arruinou sua vida, uma senhora tem que manter suas janelas limpas.
Quando Jackson lentamente superou sua agorafobia, ela começou a trabalhar em um novo tipo de romance — um sobre uma mulher que matou seu marido e fugiu, um livro cheio de novos pontos de vista e aventuras ao ar livre iluminadas pelo sol. Mas ela adormeceu um dia e nunca mais acordou — um ataque cardíaco, aos 48 anos, repentino e inesperado e instantaneamente fatal. Stanley casou-se com uma de suas alunas um ano depois. Então, no final, aconteceu com Shirley Jackson o que ela sempre nos advertiu: a casa a agarrou e a reclamou, logo quando ela estava planejando sua fuga. Sua casa, como tantas outras, tinha uma hospitalidade insistente. Não ia gostar de deixa-la fugir.
Sabemos que mesmo em 2018, há ainda quem ache que o serviço doméstico seja trabalho exclusivamente feminino. As mulheres não estão mais confinadas em suas casas, conquistaram o seu espaço no mercado de trabalho, no entanto, enfrentam uma nova prisão: a dupla jornada de serviço doméstico da casa e cuidado com os filhos e com o trabalho.
Uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos sobre Desigualdade e Relações de Gênero da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) em 2017, mostra que a desigualdade com as responsabilidades da casa aumenta ainda mais após o casamento, penalizando as mulheres.
Enquanto homens casados dedicam apenas 12h30 com cuidados com o lar, a carga horária das mulheres aumenta de 19 para 29 horas semanais quando elas passam a viver com um marido.
Apesar de alarmante, o resultado medido em 2016 representa um avanço em relação às 36 horas dedicadas por elas ao lar em 2003, quando a pesquisa foi realizada pela primeira vez.
A pesquisa revelou também que a chegada de um filho na família aumenta em nove horas a carga horária das mulheres e apenas em duas horas a carga horária dos homens. Os dados mostram que mais de 40% dos homens ainda acreditam que o trabalho doméstico é função da mulher, enquanto o dever masculino é arcar com as contas e a parte financeira.
Shirley Jackson e sua obra estão voltando com tudo para a cultura pop! Duas adaptações literárias baseadas na obra da autora estão sendo produzidas: A Assombração da Casa da Colina, que ganhou a sua terceira adaptação (as outras foram em 1963 e 1999, gifs e imagens pelo post) pela Netflix em formato de série com 10 episódios, escrita e dirigida por Mike Flanagan (Jogo Perigoso); e Sempre Vivemos no Castelo, filme que será estrelado por Taissa Farmiga, Alexandra Daddario e Sebastian Stan, dirigido por Stacie Passon, e roteiro de Mark Kruger (está no post uma cena do filme).
Aqui no Brasil a Suma de Letras está relançando os livros da autora, o primeiro foi Sempre Vivemos no Castelo, e esse ano foi A Assombração da Casa da Colina!
Postado originalmente no Medium.