Raw (2016)
“Membros do público desmaiaram” ou “Chamaram uma ambulância na sessão da meia noite” foram algumas das manchetes que apareceram na internet na época em que o filme franco-belga sobre canibalismo circulava em alguns festivais no exterior. “Raw” (Grave), da diretora e roteirista Julia Ducournau, acompanha uma adolescente chamada Justine (Garance Marillier) que decide seguir os passos dos pais e da irmã e entra na Universidade para estudar medicina veterinária. Em um dos famosos rituais de iniciação do ensino superior, Justine, além de descobrir que sua irmã abandonou o vegetarianismo, dieta que ambas seguem desde criança, é forçada a comer carne pela primeira vez na vida, o que resulta em um inesperado e irreprimível desejo pela carne.
Os temas que cercam o filme exploram desde a sexualidade, os diferentes contextos dentro de uma trajetória geracional de mulheres e a autonomia da personagem principal (aspecto que muitas vezes é colocado como plano de fundo dentro de uma narrativa de horror) – apresentados com uma perspectiva que, sem sombra de dúvidas, é da mulher. A questão da identidade relacionada com o ato de comer carne humana abre uma discussão sobre o lado animalesco do ser humano e coloca em foco mulheres que (literalmente) devoram outros.
Canibalismo é um dos tabus da nossa sociedade. Em uma entrevista com a diretora, Ducournau afirma que existe algo particular sobre esse tabu, posicionando o mesmo bem perto de nós e, consequentemente, é por isso que queremos vê-lo o mais longe o possível, nunca falar sobre e fingir que canibalismo faz parte de um universo fantasioso e irreal. E partindo dessa ideia veio a curiosidade de investigar o lado individual da ação de experimentar a própria carne.
O ritmo e o tom do filme se beneficia de uma reflexão satírica sobre como nós somos ensinados a ver nosso corpo. Usando a gramática cinematográfica de “body horror”, a diretora usa o que é visto como repulsivo e nojento para representar uma parte vital e, completamente normal, do corpo da mulher. Nesse caso, é inevitável o quão explícito o filme é em relação ao sangue ou ao prazer de sentir o cheiro da carne, criando momentos que trazem uma reflexão sobre o autoconhecimento de Justine e a sua aceitação.
“É por isso que eu gosto tanto de metamorfose,” Ducournau diz. “A metamorfose é sobre sair de caixas. Você simplesmente descarta as camadas. E, no final, o que permanece é o essencial. Meu filme é realmente sobre isso. É o seu próprio animal, como dizem.”